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Memórias de Cinemas

  • Publicado: Segunda, 05 Setembro 2022 12:46

Por Marco Antonio Moreira ¹

 

Houve uma época em que se ponderava que todas as coisas boas em nossas vidas eram para sempre, como escreveram vários poetas. Mas o “para sempre” sempre finda. No Cinema, existiu um lindo período em que a sua magia era um dos elementos principais de um ritual encantador que iniciava quando você saía da sua casa, chegava à frente de uma sala de cinema de rua, ficava na fila para comprar ingresso na bilheteria, esperava na fila da portaria para entrar na sala de projeção e, finalmente, entrava na sala de exibição para assistir a um filme. Ao entrar, a visão encantadora da tela do cinema confirmava que o ritual mágico estava prestes a começar. Olhar para a tela do cinema antes mesmo do filme começar, sem as imagens em movimento, já era estimulante. Pois sabia-Enquanto a sessão de cinema não iniciava, era inevitável apreciar a tela, as poltronas e, especialmente, a cabine de projeção, pois era dali que o filme “nasceria” - e muitas vezes nos acompanharia pelo resto de nossas vidas. A ansiedade era grande pelo início da sessão e o desejo de vivenciar novas histórias e personagens era imenso. E, de repente, era chegada a hora! Em alguns cinemas, a cortina da tela de cinema se abria, as luzes da sala de exibição eram desligadas e pronto: chegou o CINEMA. Antes, isso tudo acontecia sem participação dos celulares e equipamentos eletrônicos hoje tão presentes na vida da maioria dos espectadores de maneira essencial, lembrando a todo tempo que estes são outros tempos. E, de alguma maneira, o ritual do cinema também precisou mudar.

A era do Cinema até meados dos anos 2000 foi regida pela película cinematográfica. A invenção do cinematógrafo em 1896 pelos irmãos Lumiére teve como uma de suas fontes inspiradoras a fotografia. E dessa inspiração, a cada 24 quadros por segundo, surgiram as imagens em movimento. Este período foi encantador para diversas gerações que descobriram e se redescobriram no Cinema. Neste quadro de memórias, é importante preservar os símbolos que fizeram parte desta história, como por exemplo os equipamentos de projeção cinematográficos. Em tempos modernos, conservar os equipamentos cinematográficos tem um simbolismo intenso de respeito ao passado cinematográfico daqueles que fizeram, exibiram e assistiram filmes em película.

Em tempos de pouca valorização das memórias, é fundamental lembrar de onde o cinema começou para refletir sobre seus caminhos no futuro. E, para lembrar, é preciso ter referências de memórias não para se prender às gerações vividas, mas sim para que outras gerações de espectadores possam enxergar a transformação do cinema e a forma que o modo de fazer e assistir filmes ao longo dos tempos se transformou. Compartilhar estes símbolos é mantê-los vivos, significativos, representativos de um passado que pode inspirar novas cinefilias e atitudes dos novos espectadores.

Preservar símbolos de uma era do cinema em que cinéfilos desenvolveram seu amor e seus questionamentos sobre os caminhos do cinema é um ato de resistência da cultura contemporânea que conquista corações e mentes apaixonados por cinema. Desse modo, as distâncias entre passado e presente serão mínimas e poderão gerar um estado de alerta permanente sobre futuras histórias e memórias da transformação técnica, estética e artística da nossa tão amada sétima arte.

Sou de uma geração encantada pelos cinemas de rua, que testemunhou e experimentou as mudanças tecnológicas de projeção e som. E entendo que saber destas e outras histórias da cultura cinematográfica ajuda a formar o senso crítico de que toda memória é uma construção que surge de ações e atitudes em diversos campos de criação. Afinal, a transformação estética do cinema está vinculada à sua transformação técnica, notável por demonstrar que cada aprimoramento da imagem e do som foi um sinal de mudança por si só.

Atualmente, os projetores de película podem ser vistos de modo reducionista, sem valor, sem função. Mas sem eles, sem este início, não haveria espaços de criação artística para aprimorar as imagens em movimento. Estas memórias não podem ser sufocadas pelo tempo. A prova material destes históricos equipamentos de projeção de filmes em exposição na Faculdade de Áudio Visual (FAV) da Universidade Federal do Pará (UFPA), doados pelos proprietários dos Cinemas 1 e 2 (inaugurados em 1978) e grupo Moviecom Cinemas (inaugurados nos anos 2000) estimula interpretações e reinterpretações de um passado que deve servir de referência para evitar o esquecimento da história do cinema e gerar novos e outros modos de legitimar uma trajetória que não para de nascer, renascer, inventar, reinventar histórias e memórias vinculadas ao cinema.

Evidenciar tempos históricos das ações culturais é vital para contar a história daqueles que se dedicaram a colaborar com o cinema e sua dialética como arte em construção. É preciso ativar, provocar, estimular ações e interações por meio de exposições de relíquias do cinema para que as pessoas desenvolvam senso de memória pessoal e coletiva e consigam interagir de maneira mais próxima com seu tempo histórico e ser agentes e guardiões de seu tempo-presente e seu tempo-futuro.

Temos muitas histórias para contar, guardar e transmitir para todos que gostam de cinema em nossa cidade e nosso estado. E muitas destas histórias foram registradas pelo nosso mestre e pesquisador Pedro Veriano, que em suas obras literárias sempre defendeu que precisamos conhecer mais sobre os causos do cinema que aconteceram em Belém - passando pelas visitas e trabalhos de pioneiros de produção e direção, pelas construções das salas de cinema em décadas diferentes, pelos nossos cineastas, pelos filmes exibidos e pelas mudanças estéticas e tecnológicas que chegaram nas últimas décadas por meio das salas modernas de exibição.

Estes equipamentos cinematográficos que estão expostos na Faculdade de Artes Visuais da UFPA têm um grande simbolismo histórico de exibição de filmes em salas de cinema dos anos 1970 aos 2000. Espero que sua presença neste espaço seja considerado por todos uma bela homenagem aos vários tipos de filmes que foram exibidos através deles, que representam a intensa grandeza do Cinema como uma arte cada vez sempre relevante para todos nós!

 

¹. Marco Antonio Moreira é Doutor em Artes (PPGARTES/ UFPA). Atua como presidente da  Associação dos Críticos de Cinema do Pará (ACCPA) e coordenador geral do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC).

 

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